Pensei em escrever um monte de bobagens a respeito, mas no final das contas é o Veríssimo que vai me salvar:
A Casa dos 40
Luis Fernando Veríssimo
Quem já entrou na casa dos 40 sabe do que eu estou falando. Eu entrei na casa dos 40. A porta se fechou atrás de mim. As tábuas rangiam sob os meus pés. No jardim havia duas estátuas de anão com a pintura descascada e o ar de quem sabia alguma coisa que eu não sabia. Mas a única coisa que podia ter dito — "Não entre." — não foi dita. E aqui estou eu cercado de fantasmas, suando frio e me apalpando. As pessoas invariavelmente começam a se apalpar na casa dos 40. Para verem se é verdade e que dorzinha é aquela.
Dos fundos sombrios da casa dos 40 vem um murmúrio que a princípio eu não entendo. Parece dizer:
— Tcheca, tcheca...
O que será "tcheca"? Tento fugir mas não encontro mais o trinco da porta. Pelas vidraças empoeiradas mal consigo ver a casa dos 30, do outro lado da rua. Não adianta gritar. Lá está havendo uma festa. Ninguém me ouviria.
E pensar que eu passei pela casa dos 30 sem aproveitar nada. Olhava para a casa dos 40 e a achava atraente. Me imaginava nela, grisalho, sábio e respeitável. Não sabia que seria assim por dentro. Perdi a festa na casa dos 30 e agora não posso voltar.
— Tcheca, tcheca...
Arrasto os pés pelo chão. No escuro, ouço um bater de asas. Morcegos! E os passos miúdos de ratos assustados. A escassa luz que consegue ultrapassar as vidraças mal ilumina as teias despencadas que oscilam lentamente no meio da sala, como véus sepulcrais.
— Tcheca, tcheca...
De repente, o relógio da parede começa a bater. Doze vezes. Depois da última badalada abre-se uma portinha e sai um cuco desanimado. Com olheiras. O cuco olha para todos os lados, suspira fundo e volta para dentro do relógio. A saída! Onde fica a saída?
— Tcheca, tcheca...
Surge o mordomo. Uma cruza de Vincent Price com uma hiena. Sugere que eu sente e fique à vontade, os próximos 10 anos passarão num instante. Tento dizer que desisti da idéia, quero voltar, esqueci meu leva-tudo na casa dos 30, a saída! O mordomo sorri e diz que só há três saídas na casa dos 40. Para cima, para baixo ou para a casa ao lado.
— A casa ao lado?
— A casa dos 50. Você não gostaria de lá.
Perco a paciência.
— Mas afinal, esse "tcheca, tcheca", o que é?
— É a primeira recomendação que fazemos a todos que entram na casa dos 40. Check up geral. Só apalpar não adianta nada.
Texto extraído do livro "Sexo na Cabeça", L&PM Editores - Porto Alegre, 1982, pág. 153
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